Minha rainha Olhai por nós

Minha rainha Olhai por nós
Oxum sempre foi mulher vaidosa, bela e elegante ofuscava a todos com seu brilho vistoso. Uma coisa, porém fazia-lhe falta, queria muito saber sobre os mistérios de Ifá. Tinha sede do conhecimento dos oráculos, precisava conhecer o passado, presente e futuro, somente assim se sentiria realizada. Pensou bastante a respeito e resolveu procurar Exu, usou toda sua doçura e encanto para que ele lhe ensinasse os segredos. Exu sentiu-se atraído pela bela mulher, mas não era de entregar nada gratuitamente e lhe propôs um trato. Se ela ficasse junto dele por sete anos fazendo todos os serviços de sua casa, entregaria os mistérios que ela tanto desejava. Oxum aceitou e durante todo o tempo do trato, lavou, passou e cozinhou para Exu. No final do período tratado, Exu cumpriu o que havia prometido e liberou-a. A moça, entretanto havia se apaixonado e mesmo com os segredos em mãos preferiu continuar morando com ele. Assim viveram por muito tempo em perfeita harmonia. Um dia Oxum estava à beira de um rio cantando com maviosa voz enquanto penteava os cabelos. Xangô, que por ali passava, escondeu-se para ver de onde vinha tão maravilhosa melodia. Ao deparar-se com a beleza encantadora da bela mulher enamorou-se perdidamente. Impetuoso como sempre, foi até ela e declarou-se. Ela, porém, explicando sua condição de casada e feliz, recusou o amor que o homem dizia sentir. Tomado de fúria, não admitia ser contrariado, agarrou a mulher e levou-a para seu reino onde a trancafiou no alto de uma torre de onde somente sairia para unir-se a ele. Dias e noites sem fim se passaram e Oxum em sua masmorra apenas chorava em desespero. Enquanto isso, Exu vasculhava por todos os cantos do mundo a procura da mulher que aprendera a amar e respeitar.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Leia com o coração

A briga dos Orixás e a decisão de Dona Chininha de Yansã

Naquele ano da graça do Orixá Ogum, período de guerras e demanda lutas e combates, ali na subida do Morro da Policia na calmaria da noite Dona Chininha dormia a sono solto, eram 5 horas da manhã. Na noite anterior a negra velha havia derrubado 14 quatro pés e mais de 70 aves. O povo daquela casa se preparava para uma grande festa tudo em homenagem ao glorioso Pai Ogum. Quando de repente ela foi acordada por um burburinho que vinha da rua, aquilo por si só já era um desaforo. Ela fora deitar às três horas quando acabara o serão, tinha em seu quarto de santo sete filhos de obrigação, e os demais tinham terminado suas tarefas e debandado para suas casas.
Revirou-se na cama procurando uma melhor acomodação, e assim voltar ao sono conciliador. Pensou: Isso é coisa de alguns transeuntes, logo vão embora e poderei voltar a dormir. Mas, as altercações das vozes aumentaram aquilo que parecia um grupo passando pela rua, não se sabe por que cargas d água resolveram se estabelecer em frente ao seu portão e o que parecia momentâneo tornou-se um martírio, não tendo hora para terminar.
No momento seguinte o que se seguiu foi um bate-boca infindável, intercalado por palavrões e acusações entre os contendores quer parecer de ânimos alterados, aquilo se perdeu e adentrou a casa.
A estás altura dos acontecimentos ela tinha a nítida impressão que aquele povaréu estava ali, ao lado de sua cama. Bem, aqui esgotou toda a sua paciência e só restou tomar uma atitude. Levantou-se vestiu um chambre, calçou um chinelo de dedo e foi à luta. Isso é demais para qualquer ser humano agüentar desaforo em frente a sua casa.
Deu de mão na chave e abriu a porta e saiu no terreno, às estrelas ainda cobriam o céu, noite clara como um dia facilitando a visão da rua.
Ali, na frente do pátio à direita do portão de entrada, ao lado da casa do Bará Lodê, tinha um banco deste feito de madeira bruta. Caminhou até ele sentou-se, e acomodou-se e procurou abrir bem os ouvidos, queria saber, antes de tomar uma atitude, quem eram os desaforados que não respeitam o descanso em uma casa de família.
Por educação sabia que o que se passa na rua não lhe pertencia e a demais poderia ser assunto de vizinhança e desta ela queria distancia.
Com as mãos abriu entre as folhagens um pequeno espaço para visualizar melhor a rua e poder desde modo observar os brigões. E o que foi que ela viu? Homens e mulheres, um baita povaréu no maior bate-boca, uns querendo determinada coisa e outros contrariando. A causa da discussão ela não poderia sequer imaginar, pois, não era explícita a razão determinante de tanta verborragia. Mas, que ali tinha uma contenda, isso tinha. Restava aguardar para saber qual?
Entre os mais exaltados se destacava um moço bonito, corpo atlético, beleza rara, mas de uma fúria incontida, usando belas palavras e denotando profundo conhecimento sobre leis e justiça, mais parecendo um nobre bacharel no uso da tribuna. Mas, quando contrariado soltava labaredas de fogo pela boca, e o pior carregando tira-colo um enorme machado de dois fios. Aquilo por si só já demovia qualquer intenção de se opor a suas opiniões.
Do outro lado um menino, busto desnudo, usando um saiote e tendo as costas um arco e uma única flecha. Mas, atento às palavras, era ouvinte sequioso do ilustre palestrante. Entre as mulheres uma muito da assanhada carregando uma tiara de pedras semipreciosas na cabeça, por certo jurando que era uma coroa, mas de um ímpeto a toda prova, desaforada, mandona e gritona, senhora absoluta da razão, de animo exaltada competindo na base do grito, tipo do: “Vocês sabes com quem estão falando?”.
Entre os contestadores um mais humilde parecia um gari, numa mão uma vassoura, na outra um gadanho em punho, que pouco era ouvido, qualquer palavra vinda dele era rebatida pelo grupo com estas palavras: “Tchê tu não te metes, tu será sempre o último a falar, depois de nossa decisão te entregamos quem tu vai levar”. E a negra velha se perguntava levar quem? E para onde?
À esquerda do grupo duas mulheres que choravam copiosamente, uma senhora de roupa azul, abraçada a uma moça vestida de amarelo ouro, aquilo por si só já era um contraste uma burguesa metida no meio daquela misere desgraçado. Esta ultima de minuto a minuto retocava a maquiagem. Pode? Vaidade aqui no meio da madrugada? Mas, naquele corpo de infinita beleza o ar parecia perfumado e chique. Tudo do bom, quem não gosta do bom cheiro?
Sentado na beira da calçada, tendo a mão direita apoiada em um cajado, com a cabeça coberta por um manto branco, um senhor de idade avançada pedia a todo o momento: “Calma, calma temos que ter paciência e clareza em nossas decisões”. Coisa que ali ninguém tinha. Sequer ouviam o pobre velho.
Dona Chininha ainda pensou: Mas que coisa de louco esta vila está virada num prostíbulo, onde já se viu um bando de vileiros vir bater boca em frente a uma casa de Batuque, a esta hora da madrugada. Aonde o mundo vai parar? Bem, não conheço esta gente, mas isso não vai ficar assim, tenho que tomar uma atitude.
No que se levantou para ir de encontro ao grupo estancou de vez, ao ver chegar um gaudério montado em um cavalo branco, mais parecia um capataz de estância, aparamentado feito um guerreiro, de espada e lança em punho e gritando feito um louco. Bem, aqui a porca torceu o rabo. Meu Deus do céu, de onde surgiu este qüera? O índio grosso desceu do cavalo e foi dando ordem como se o assunto em questão fosse de domínio público e fosse ele o portador da decisão final. Pode? Só me faltava esta.
A frase que penetrou fundo em sua cabeça e a deixou confusa, por ser repetida diversas vezes e usada por todos os participantes de minuto a minuto “Um deles vai! Tem que ir, e disso eu tenho a mais absoluta certeza, temos que chegar a um consenso”. Mas ir aonde? Para onde? Mas quem vai com quem?
Sim, aquilo estava mais para uma disputa entre eles que para escolha de alguém que partiria com um dos participantes. Que viagem estranha será a deste vivente. Estranha, muito estranha.
É importante salientar que até aquele momento não haviam citado um nome sequer, no meio das discussões se tratavam com os devidos respeitos, mesmo que contrariados em suas posições, mantinham certa altivez até na hora de trocar palavras mais ásperas. Dona Chininha de boca aberta observava o grupelho, passou da raiva a admiração e o melhor pretendia ajudá-los no que fosse preciso. Mas como participar sem saber a razão de tanto bate-boca?
Foi quando ela ouviu nitidamente os nomes de dois de seus filhos de santo, Antenor de Ogum Onira e Agenor de Oxalá Bocum, bem, aqui a coisa tomou outros rumos, agora era ela a mais interessada no que aqueles infelizes pretendiam quanto a seus filhos. Bem, agora botaram na mesa prá mim e eu não sou mulher de correr da raia. Quero ser ouvida e ninguém me segura, aqui vou eu.
Deu de mão no portão e escancarou de vez e foi, contudo para cima do grupo e com uma única frase abriu os debates: “vocês por um acaso estão me chamando?”. Sim, porque aqui em frente a minha casa quem canta de galo sou eu e demais a mais, ninguém vai decidir sobre a vida de meus filhos a não ser eu e meus Orixás.
Bem, agora a porca torceu o rabo e a merda pegou no tamanco e a cobra passou a fumar. Quem conhecia a negra velha sabia ela nunca botara para perder, se entrara naquela briga era para vencer.
Recebida que foi pelo grupo que abriu alas para a sua passagem, procurou ela ficar no meio da turma, queria ouvir e ser ouvida e tinha em sua mente mil perguntas e queria muitas respostas, ninguém sairia dali sem responder. Isso não, e disso ela tinha a mais absoluta certeza.
Em principio a maioria não aceitou sua participação, alguns fizeram muxoxo como a dizer: De que adianta sua participação? Ela não manda nada. Dona Chininha não esperou apresentações, foi logo abrindo o verbo.
-Meus amigos eu não conheço vocês, mas se vocês escolheram o meu portão para bater boca e resolver suas quizilas, se enganaram aqui é uma casa de religião e demais a mais, eu respeito para ser respeitada, não quero saber de bate boca em frente a minha casa, estou com filhos de obrigação. Será que nesta vila não tem lugar melhor para resolverem as pendengas de vocês?
Bem, ai pegou pesado e a negrada não afrouxou de vez, saltou a tal assanhada de coroa na cabeça e foi falando e desaforando.
-Olha aqui minha filha tu não te metes no que tu não és chamada, isso aqui não é assunto para o teu bico.
Prá que? A velha enlouqueceu e rodou a saia e se postou no meio da rua com as duas mãos na cintura, agora já tinha um oponente a sua altura postada em sua frente. E foi para ali que ela se dirigiu com toda a sua força. Resolvera pegar pesado com a tal exibida. E foi com tudo prá cima:
- “Olha aqui guria, quem tu pensa que tu és para me desaforar”. Tu por um acaso sabes com quem tu estás falando?
Aquilo dita cara na cara, olho no olho ali na cara limpa era de arrepiar quem assistiu. Meu Pai! Oxalá tende piedade de todos nós, isso não vai terminar bem.
Foi quando a tal metida avançou na direção de Dona Chininha disposta a meter a mão na cara, no que o tal bonitão saltou na frente e pediu:
- Te acalma guria quem sabe ela pode nos ajudar.
- Mas ela esta me afrontado e isso não podem ficar assim.
- Agora o bicho vai pegar foi o que falou o mais velho.
Dona Chininha aguarda sua resposta ansiosa e repete a tal pergunta:
- “Tu sabes com quem tu estás falando guria?”.
Prá que? A guria endiabrada salta na frente e contra põe uma resposta:
-E tu minha querida por um acaso sabe com quem tu ta te metendo? Socorro agora isso foi longe demais.
E Dona Chininha lascou de pronto:
-Eu estou falando com uma guria metida à besta que não respeita os mais velhos.
Prá que! A louca avançou e abraçou Dona Chininha e grudada nela foi em busca das orelhas da negra velha e ali falou o que queria e o que não queria, mas uma frase nunca sairia da mente de Dona Chininha para o resto de sua vida. Sim o que ela ouviu e rasgou sua orelha e explodiu em sua mente e transpassou sua alma, queimando feito ferro em brasa, foi à frase pequena, sucinta e decisiva:
“Eu sou tua mãe Yansã Oiá Dirãn”.
Por meu Pai Oxalá! Tende misericórdia de todos nós.
A negra velha caiu de joelhos prosternada perante a criatura e bateu cabeça ao reconhecer aquela há quem horas antes tinha sacrificado em seu nome e perseverado por toda uma vida. O mais velho vendo o ato de comoção da qual a negra velha se viu envolvida, abraçou-a e beijando suas mãos ajudou a sentar no meio-fio alguém que não se sabe de onde alcançou um copo de água que foi bebido de sôfrego. O que dizer numa hora desta? Sei lá isso é coisa dos Orixás e eles sabem o que fazem, eu fora.
Refeita do susto Dona Chininha mantinha duas pergunta em sua cabeça: Afinal o que eles querem aqui em frente a minha casa e qual a razão de tanta discussão?
Mas isso não precisou perguntar por que a resposta veio queimando feito fogo em brasa e que desceu pela garganta e se alojou na boca do estômago. Eles estavam ali para levar um dos filhos de dona Chininha, um deles partiria para Órún, a razão de tanta disputa, era que alguém queria contrariar ordens superiores, um dos que viera buscar e acompanhar o despachado entendera errado o nome da criatura, o que causou grande reboliço entre os demais a tal desinformação.
O tal desinformado tentando se justificar largou a celebre frase: “Eu pensei”. Bem, ai já é demais querer pensar sobre ordens supremas. O tal do machado largou na frente e entre labaredas de fogo desaforou: “Pois tu fiques aqui sabendo, que tu não és mandado para pensar, tu és enviado para executar, o pago para pensar sou eu” Por meu Pai Xangô! Tende piedade de todos nós.
Refeita dos traumas Dona Chininha resolveu ajudar.
-Meus Pais quem sabe eu possa ajudar?
O grupo todo voltou os olhos para ela que cabisbaixa e muda aguardava a resposta. Afastaram-se para fazer uma pequena reunião do assunto em pauta e falando a boca pequena e cochichos ao pé do ouvido confabularam e retornaram ao encontro dela e passaram a decisão aos critérios dela, afinal a mãe de santo ali era ela é mais ninguém.
Ficou ao encargo do mais velho, aquele senhor do cajado expor a situação e o dilema que todos se encontravam.
Começou ele por palavras de doçura e meiguice, no que dona Chininha declinou ponderando: O senhor não me poupe estou preparada para ouvir a verdade, nada mais que a verdade.
-Bem, minha filha um dos teus filhos vai subir acompanhada do Orixá dele, estudávamos a decisão final, mas como tu decidistes participar resolvemos que fica seu critério escolher qual deles vai embora.
Por meu Pai Oxalá! E agora? Que decisão cruel, que fatídico dilema.
Para tanto devemos antes analisar cada um dos pretensos viajantes como se fossemos um gerente de recursos humanos, analisando o currículo dos postulantes a um cargo ou promoção, neste caso a viagem final de suas vidas.
Aqueles dois a estas alturas da madrugada, embalado em seus belos sonhos e fantasias, nos braços de Morfeu. Mal sabiam eles que sua hora havia chegado.
O primeiro: Antenor de Ogum, pai de seis filhos, fruto dos diversos relacionamentos, e uma dúzia de netos. Era viúvo e de sua vida tudo que se sabia era que tivera diversos enroscos, nunca dera certo com ninguém, talvez pelo maldito víçio da cachaça e por não ser chegado no trabalho, era um turista a passeio neste mundão sem fronteira, nunca valorizou nada e nada tinha muita importância, a não ser o sabor pela vida. Era considerado mestre do Batuque, pelo conhecimento dos fundamentos e na arte no trato com o sagrado e magia dos Orixás. Agora que não tinha mais forças para o trabalho braçal, vivendo de uma pensão miserável, encontrando dificuldade para sobreviver, viera dar com os costados na casa de Mãe Chininha e passara a morar de favor numa pequena peça nos fundos da casa.
O segundo: Agenor de Oxalá era um jovem solteiro e de futuro promissor tanto dentro do Batuque, bem como na medicina, viera do interior e encontrara na casa de Mãe Chininha o apoio para estudar e se dedicar para a religião. Era bom filho de Santo, dedicado e perfeccionista via no Batuque o caminho que tanto procurava e que naquela casa finalmente encontrou. Não tinha nada que o desabonasse.
Mas para dona Chininha todos os filhos de Santo eram iguais, amava-os indistintamente e vivia em função da vida deles, esquecendo a sua.
E agora? Fazer o que? Dizer o que?
Quem escolher?
Mas a vida tem seus mistérios que a própria razão desconhece e ali estava ela tentando entender a complexidade do destino e o porquê os Orixás colocam às vezes seus filhos em caminhos que só a emoção e o coração podem decidir esta era uma. Caberia ela a decisão.
Por meu Pai Oxalá! Daí me a tua orientação e encaminhação nesta hora tão difícil.
Mas, não, ela sabia que em sua decisão final estaria sozinha, ninguém poderia ajudá-la e sua escolha teria de ser de caráter irrevogável. Um de seus filhos teria que partir.
E agora José?
E foi assim que ela pediu licença aos amigos e voltou para dentro de sua casa dirigiu-se para o seu Quarto de Santo e ali ajoelhada clamou para que Pai Xangô não a julgasse por sua escolha e proferiu o nome do escolhido.
Levantou-se e voltou à rua e encontrou todos reunida a sua espera, cercada que foi anunciou o nome do filho que ia partir.
Pareceu-me que não houve surpresa, pois, todos aceitaram na maior calmaria o que fora decidido.
E foi assim que naquela noite partiu o menino Agenor de Oxalá Bocum.
Não me pergunte o porquê e nem a razão, porque desconheço e mesmo que soubesse não responderia por que isso quer me parecer pertence ao sagrado, ao mistério intrínseco do universo dos Orixás.
E dona Chininha que teve a decisão e a resposta daquela noite, anos depois teve a sua missa de Arissum feita pelo seu filho mais velho o mestre Antenor de Ogum e seu amigo e fiel escudeiro João Carlos de Odé.
E tenho dito e quem souber que conte outra.

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